RESUMO
Experiência: A perda de peso pode melhorar o controle da glicose em pessoas com diabetes tipo 2. Os efeitos da qualidade a gordura, em oposição à quantidade, na perda de peso não estão devidamente elucidados.
Objetivo: Comparamos os efeitos de dois óleos dietéticos, ácido linoleico conjugado (CLA) e óleo de cártamo (SAF) no peso e na composição corporal em mulheres obesas, pós-menopausa com diabetes tipo 2.
Método: Este foi um estudo randomizado, duplo-cego e cruzado com duração de 36 semanas. Cinquenta e cinco mulheres obesas, pós-menopausa, com diabetes tipo 2 receberam CLA ou SAF (8 g de óleo/d) durante 2 períodos de dieta de 16 semanas, separados por um intervalo de 4 semanas sem novos suplementos e para que fosse feita a avaliação do equilíbrio energético, parâmetros bioquímicos, ou variáveis antropométricas.
Resultados: Trinta e cinco mulheres completaram a intervenção de 35 semanas. A suplementação com CLA reduziu o índice de massa corpórea (IMC) (P – 0,0022) e massa adiposa total (P = 0,0187), sem alteração da massa magra. O Efeito do CLA na redução do IMC foi detectado durante as últimas 8 semanas de cada período de dieta de 16 semanas. Em contraste, SAF não teve efeito no IMC ou na massa adiposa total, mas reduziu a massa adiposa do tronco (P = 0,0422) e aumentou a massa magra (P = 0,0432); SAF também reduziu significativamente a glicemia de jejum (P = 0,343) e aumentou a adiponectina (P = 0,0051). Não foram observadas diferenças na ingestão energética dietária, ingestão de gordura total e na qualidade de gordura em qualquer dos períodos de dieta para as duas intervenções.
Conclusões: A suplementação com CLA e SAF exerceu efeitos diferentes no IMC, massa adiposa total e massa adiposa do tronco, e na massa magra em mulheres obesas, pós menopausa, com diabetes tipo 2. A suplementação com esses óleos alimentícios pode ser benéfica para a perda de peso e/ou controle glicêmico. Am J Clin Nutr 2009; 90:468-76.
ESTUDO
Cártamo (Carthamus tinctorius) é uma planta bulbosa semelhante ao açafrão, com folhas providas de espinhos longos e propriedades semelhantes, porém menos intensas no que se refere ao poder corante, ou como condimento, também denominada “cártamo”; “açafrão-agreste”; “açafrão-bravo” e “açafroa”. A palavra vem do hebraico “kartami” que significa “tingir.”
As plantas são de 40 a 150 cm de altura com ápices de flores globulares e, comumente, amarelas, alaranjadas ou vermelhas, que florescem em Julho.
A empresa farmacêutica SemiBioSys Genetics está usando cártamo transgênico para produzir insulina humana, no entanto, a insulina humana derivada desta planta ainda não está disponível para consumo.
Outra característica do cártamo é a produção de ácido graxos (AG), os quais formam a unidade estrutural da molécula de gordura. Os elementos químicos básicos que compõem esta estrutura são: carbono, hidrogênio e oxigênio. Os ácidos graxos podem ser insaturados ou saturados, conforme a existência ou não de duplas ligações entre os átomos de carbono.
O AG é considerado saturado quando houver apenas ligações simples entre os carbonos. Óleos de cacau, coco e amêndoa são ricos em AG saturados, já o insaturado apresenta uma ou mais duplas ligações. Quando há apenas uma ligação dupla, diz-se que o AG é monoinsaturado, que pode ser encontrado, por exemplo, em óleo de oliva, canola, açafrão, cártamo e amendoim. Se houver duas ou mais duplas ligações, o AG é chamado de poliinsaturado, encontrado em óleos de girassol, cártamo, soja e milho.
Existem dois tipos de cártamo que produzem diferentes tipos de óleo: um alto em ácido graxos monoinsaturados (ácido oleico) e os outros altos em ácidos graxos poli-insaturados (ácido-linoleico).
Neste estudo foram comparados ácido linoleico obtido em apresentação comercial a 78% (CLA), com óleo de cártamo contendo também ácido linoleico a 78% (SAF), observando-se os efeitos dietéticos dos mesmos na composição corporal (peso e distribuição da gordura) de mulheres obesas, pós-menopausa, com diabetes mellitus do tipo 2.
Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, o diabetes mellitus tipo 2 (DMT2), também chamado de diabetes não insulinodependente, ou diabetes do adulto, corresponde a 90% dos casos de diabetes. Ocorre geralmente em pessoas obesas, com mais de 40 anos de idade, embora atualmente, ocorra com maior frequência em jovens, em virtude de maus hábitos alimentares, sedentarismo e estresse da vida urbana. Neste tipo de diabetes, há insulina, porém sua ação é dificultada pela obesidade, o que é conhecido como resistência insulínica, uma das causas da hipoglicemia.
Obesidade de padrão andróide é um critério maior que leva à resistência insulínica acompanhada de ganho de peso, especialmente em mulheres pós-menopausa.
Uma abordagem básica no controle da DMT2 é a perda de peso, o que pode melhorar a sensibilidade insulínica. De maneira geral, perdas de peso significativas estão relacionadas com melhores nos níveis de hemoglobina glicada (HBG) e níveis de glicemia de jejum. Esses fatos sugerem que a perda de peso pode auxiliar na eficácia de hipoglicemiantes no tratamento da DMT2.
MATERIAL E MÉTODOS:
55 mulheres, obesas (índice de massa corporal (IMC) > 30), pós menopausa, com menos de 70 anos e com DMT2 (HBG 16,5% e 14%), foram selecionadas na região de Columbus-Ohio entre Abril de 2004 e Julho de 2007. O uso de hipoglicemiante oral foi mantido.
MODELO DO ESTUDO:
Duplo-cego, randomizado, cruzado.
As pacientes foram randomicamente distribuídos em 2 blocos a partir do IMC e concentração de HBG. Todas receberam tratamento com CLA e SAF em modelo cruzado (crossover).
O período de dieta inicial foi de 16 semanas (período 1), seguido por um intervalo de 4 semanas (wash out) sem medicação e, em seguida, mais um período de tratamento de 16 semanas (período 2).
Foram administradas 8 cápsulas diárias, via oral de óleo dietético (2 em cada refeição e 2 {a noite), perfazendo um total de 8g/dia de CLA (c9t11-ácido linoleico conjugado 41,6%, t10c12 – ácido linoleico conjugado 40,4% e 13,1% de ácido oleico), ou SAF (ácido linoleico, 78,4% e ácido oleico 12%). Cada cápsula de CLA continha 1g de CLA e de SAF, 1g de SAF com as concentrações de ácido oleico e linoleico já descritas, respectivamente.
Dados antropométricos e bioquímicos foram estandardizados para posterior análise estatística. O método de avaliação de resistência insulínica foi o “HOMA-IR.”
Trinta e cinco pacientes completaram o estudo, cumprindo todas as exigências na avaliação.
RESULTADOS:
Foi observada uma redução significativa no IMC nos dois períodos dietéticos suplementados com CLA.
O suplemento alimentar com SAF não promoveu alterações no IMC, com resultados muito diferentes ao CLA no que concerne à medida de peso e IMC.
A massa corporal diminuiu significativamente com o CLA, enquanto o SAF não promoveu alterações na perda de peso, mas diminuiu significativamente a massa adiposa no tronco e aumentou a massa magra.
O CLA não promoveu alterações na glicemia de jejum; em contraste, SAF diminuiu significativamente a glicemia de jejum e também, em consequência, o HOMA-IR mostrou uma significante melhora na sensibilidade insulínica. Ao comparar essas duas variáveis (glicemia de jejum e HOMA-IR), houve uma diferença importante a favor do SAF.
As enzimas adipocina, leptina e adiponectina não foram alteradas com o suplemento com CLA, ao passo que, com SAF, a enzima adiponectina diminuiu significativamente, sem alteração nas outras duas enzimas.
Quanto ao metabolismo hepático, não foi observada alteração encimátiza com suplemento por CLA; com SAF, houve diminuição significativa de Alanina Amino Transferase.
Não houve alteração na dieta e na atividade física dos pacientes, além da suplementação recebida nos dois grupos.
DISCUSSÃO:
A redução significativa do IMC obtido neste estudo, com a suplementação alimentar de 6,4 g de CLA/dia, tem respaldo na literatura a partir de outros trabalhos, que também encontraram perda de peso com a ingestão de CLA, embora existam também artigos que não atribuem perda de peso à ingestão de CLA. Os autores consideram que, neste último caso, a ineficiência do CLA em reduzir o peso corporal está relacionada com a baixa dosagem de CLA e duração do tratamento, pois, neste estudo, a perda de peso não foi notada antes de 8 semanas, e sugerem uma extensão maior no período de tratamento com CLA para alcançar a meta de perda de peso.
Esta indução de perda de peso pelo CLA pode ser atribuída à perda de peso de massa gorda, sem alterações na perda de massa magra, o que é altamente significativo, pois mulheres pós-menopausa apresentam maior risco de perda de massa magra, transferência de depósitos de gorduras periféricos para região intra-abdominal e consequente aumento do risco em desenvolver Síndrome Metabólica.
Este estudo é o primeiro a demonstrar que uma modesta quantidade de óleo de cártamo rico em ácido linoleico (8 ml de SAF) pode ter um profundo efeito na composição corporal feminina. Enquanto o CLA reduziu a massa gorda total, o SAF reduziu a gordura localizada no tronco em uma magnitude de 6,3% e, além disso, aumentou a massa magra em 1,6%, o que poderia justificar o aparente balanço inalterado ao tratamento com SAF, independentemente de dieta ou atividade física.
Neste estudo, foi também observada diminuição da gordura do tronco com a administração de SAF. Diferenças regionais em padrões de obesidade têm sido associadas a mudanças na produção de adipocinas. A adiponectina pode estar associada a depósitos de gordura cutânea. No presente estudo, SAF aumentou significativamente as concentrações de adiponectina, em média de 20,3% (o mesmo não foi observado com a suplementação por CLA). Estes dados estimulam estudos no sentido da suplementação alimentar relacionando a dieta com óleos poliinsaturados, aumento de adipocinas, redução da obesidade e diminuição de complicações metabólicas.
Mulheres na menopausa estão no grupo de risco para desenvolver resistência insulínica. Dietas com óleos poliinsaturados estão associadas à redução na resistência periférica à insulina, porém sem que saibamos exatamente a causa deste efeito positivo. Neste estudo, observou-se que dieta rica em SAF reduziu a glicemia e reduziu o HOMA-IR, o que pode ser atribuído à diminuição de gordura localizada no tronco, aumento de adiponectina ou ambos.
ANÁLISE COMPARADA À LITERATURA:
Pesquisas sobre a biologia e indicações de ácido linoleico na área da saúde remontam ao ano de 1980, quando Haet ai observaram que componentes isolados de ácido linoleico na carne de boi grelhada inibiam neoplasias quimicamente induzidas em ratos. Estes achados levaram a outros estudos, pesquisando os efeitos benéficos do ácido linoleico em diferentes indicações na área da saúde como oncologia, funções imunológicas, aterosclerose, ganho de peso, ingestão energética alimentar e composição corporal.
Os efeitos benéficos no controle da obesidade são verificados com ampla base de evidência em modelo animal. A maioria destes estudos utiliza apresentações sintéticas de ácido linoleico, compostas de diferentes isômeros, suplementos alimentares comerciais geralmente contém 2 formas isoméricas principais: c9t11 e trans-19, cis-12 (t10c12), em quantidades iguais, sendo que a t10c12 seria relacionada ao metabolismo energético, ganho de peso e deposição de gordura em modelos animais. Em humanos, no entanto, estes estudos não são reproduzidos com os mesmos resultados.
Existem inúmeros estudos investigando a ação do ácido linoleico na gordura corporal. Um estudo com intensa suplementação de ácido linoleico (3,4 ou 6,8 g /dia por 12 semanas) mostrou uma associação inversa entre a dieta e o ganho de massa gorda em indivíduos obesos. Em outro estudo, 22 indivíduos saudáveis/não obesos tomaram 0,7 g/dia de ácido linoleico por 4 semanas e depois aumentaram a dose 1,4 g/dia por mais 4 semanas; os estudos mostraram que os cálculos na redução da massa corporal e massa gorda apresentaram redução quando a posologia era de 1,4 g/dia, mas sem alterações para a dose menor de 0,7 g/dia.
Thom et al analisaram a eficácia do ácido linoleico na massa gorda em indivíduos hígidos com atividade física regular e peso normal. Os resultados mostraram que o suplemento de 1,8 g/dia de ALC durante 12 semanas reduziu a gordura corporal neste grupo. Essas mesmas reduções foram observadas em homens e mulheres hígidos que consumiram 4,2 g/dia por 12 semanas, no entanto, sem alterações no índice de massa corporal (IMC) e no diâmetro abdominal sagital.
Resirus et al observaram que pacientes do sexo masculino com obesidade abdominal, ingerindo 4,2 g/dia de ácido linoleico por 4 semanas, apresentaram diminuição no diâmetro abdominal sagital, sem nenhum outro efeito concomitante na obesidade corpórea geral.
Em contraste com os achados promissores, outros estudos não encontraram relação entre a ingestão de ácido linoleico e a gordura corporal.
Adipócitos humanos sintetizam muito pouco ácidos graxos “de novo”. Roedores sintetizam muito mais lipídeos “de novo” no tecido adiposo que os humanos, sendo que isso poderia explicar os diferentes resultados do ALC no metabolismo lipídico entre humanos e roedores.
Pesquisas in vitro demonstraram que o ácido linoleico apresenta propriedades antioxidantes. No entanto, outros estudos mostram um aumento em marcadores enzimáticos para peroxidação de lipídios e peroxidação não enzimática induzindo a formação de radicais livres, depois da suplementação de ácido linoleico em homens de meia-idade, com obesidade abdominal, assim como em outros estudos com indivíduos hígidos. Estes achados poderiam sugerir um efeito colateral adverso (em potencial) desta suplementação no sistema cardiovascular.
Whigham LD et al, em uma metanálise sobre o ácido linoleico, concluíram, que o mesmo tem características anti-inflamatórias e propriedades na diminuição e até reversão da aterosclerose. Na mesma análise, estudos demonstraram associação ao ácido linoleico e indução da resistência insulínica, enquanto outros não associaram o ácido linoleico ao mesmo fator. Nesta metanálise, os autores concluem que o suplemento alimentar com ácido linoleico, no quadro geral, apresenta efeitos benéficos à saúde humana, especialmente com relação à composição corporal.
CONCLUSÃO
A literatura sugere efeitos benéficos ao ácido linoleico no metabolismo da gordura e controle da glicemia.
No estudo em questão, foi realizada a comparação de duas apresentações diferentes do ácido linoleico: CLA e SAF. O primeiro (apresentação comercial) demonstrou perda real de peso sem perda de massa magra. O segundo (óleo de cártamo) demonstrou perda da gordura localizada no tronco (de provável origem visceral e cutânea), ganho de massa magra e melhora no metabolismo glicêmico; portanto, um adjuvante importante na abordagem da “Síndrome Metabólica”.